Era uma manhã de sexta-feira com sol e cheiro de café. Bento, um homem de sorriso fácil e o bigode sempre impecável, acordava ao som do gato do vizinho, Capitão. Ele não era um gato qualquer; tinha a majestade de um comandante e a pontualidade de um relógio suíço. Além de achar que era um galo, porque nunca falhava em acordar Bento para mais um dia de trabalho.
Bento vivia em uma pequena casa na periferia da cidade com sua esposa, Mariana, uma professora de jardim de infância com uma paciência angelical, e sua filha Sofia, que andava sempre agarrada num coelhinho amarelo chamado Coelho.
A família era completa com Bolota, o cachorro que mais parecia um pão de forma ambulante, de tanto que gostava de comer as sobras do almoço.
Naquela manhã, enquanto Bento se preparava para ir ao trabalho, ele brincou com a filha, fingindo ser um pirata em busca de um tesouro escondido na geladeira. Arrr, meus marujos, onde está o queijo que estava aqui? Foi obra do terrível Ladrão de Lanches? A pequena gargalhava, acusando o cachorro Bolota com olhadinhas pro lado.
Eles estavam planejando férias no fim do ano, mas não contaram pra Sofia. Queria que fosse surpresa. Não era muito, era só uma ida a praia, mas Sofia nunca tinha visto o mar. Bento trabalhava todo dia pra dar o melhor que ele podia pra filha e pra esposa e, apesar de cansado, ele sabia que seu esforço valia a pena. Ele, Sofia, Mariana e Bolota, todos juntos, pra ele era o que mais importava. Ah, e o Coelho. Sofia não largava do coelho.
Bento trabalhava em uma grande mineradora que ficava ao lado da cidade. Todo mundo gostava muito dele, até porque ele tava sempre de bom humor e costumava dar corda quando alguém pedia para um novato ir buscar graxa em pó no almoxarifado.
Por muitos anos ele fez aquilo todo dia.
Em determinado momento naquela sexta-feira, algumas coisas não foram feitas como deveriam e uma série de erros deslocou uma pedra em direção ao Bento. Ninguém pôde fazer nada: ele não voltou pra casa aquele dia.
O impacto foi direto. Bento, sempre tão vivo e vibrante, não teve chance. A notícia se espalhou rápido, e o silêncio tomou conta do lugar onde risadas e piadas ecoavam.
Naquela noite, Mariana esperava por Bento com o jantar na mesa e as passagens pra praia compradas. Sofia perguntava pelo pai, sem entender a demora. Bolota latia para a porta, como se chamasse pelo amigo que sempre dividia um pedaço de pão. Mas Bento não voltou.
No laudo, o médico apontou que Bento teria sobrevivido se estivesse de capacete.
Item que ele usava as vezes sim, as vezes não, especialmente se o técnico de segurança não estivesse presente.
Um item que protegeria a cabeça de Bento
e o coração de Sofia
que pela falta do equipamento
agora pra praia não mais iria.